quarta-feira, 13 de junho de 2012

[Uma palavra, uma história] Enfermo

en.fer.mo. doente; frágil, debilitado


    Aquilo já era um rotina. Não que isto o agradasse, porque não o fazia. Mas o que fazer quando se é obrigado por si próprio?
    Uma parte de seu ser não aguentava mais. Não aguentava todos dias ver a mesma face calma, a mesma falta de reações. O único movimento daquele corpo era o subir e descer do peito, denunciando uma respiração há muito esmaecida. O barulho infernal vindo daquele aparelho o irritava, mas denunciava um coração batendo, um suspiro de vida que ainda não havia deixado aquele corpo.
    E isso sim, era uma dádiva.
    Mesmo que, em sua opinião, viver estando em coma, não era viver. Porém, preferia vê-la ali, parada, naquele estado vegetativo, do que nunca mais poder olhar para aquele rosto que tanto adorava. Mesmo não podendo ver um sorriso ou um olhar...
    Na sua cabeça, as mesmas perguntas e possíveis respostas dos primeiros dias. Mesmo que os dias já fossem meses. Não tinha como saber se ela acordaria, a única coisa que os médicos puderam afirmar era que quanto mais o tempo passasse, mais as esperanças iriam indo embora com ele.
    — E aí cara. — assustou-se quando ouviu a voz do enfermeiro, e seu amigo. Porém, não demonstrou reação. Não demonstrava reação a nada fazia um bom tempo. Mais especificamente, 7 meses.
    — Oi, veio ver minha flor?
    — Sim... — respondeu enquanto verificava os aparelhos e os vários tubos conectados ao corpo tão perfeito que sempre adorei — Tudo normal. Como sempre. Olha... Eu sei que você ainda está abalado por causa do acidente e do coma mas... Você tem que reagir. Não dá para ficar aí, todo apático.
    — Estou melhor do que antes. Não reclame.
    — Realmente. — e franziu o cenho, demonstrando estar se lembrando da minha reação à notícia.
    Eu admitia que não foi uma reação muito sensata. Porém, não me imaginaria fazendo algo diferente. Os médicos falaram que era bem normal. Ninguém lida bem com a notícia de um coma.
    Lembro de ter passado um mês no hospital, sem ir sequer um dia para casa. Meu irmão me trazia comida, roupas, dentre outras coisas. Eu vivia no hospital com ela. O hospital era a nossa casa. Não poderia abandoná-la num momento daqueles. Não tinha como. Não ela. Não ela que precisava tanto de mim, que eu prometi zelar para sempre, até que a morte nos separasse. E isso tinha passado pela minha cabeça como uma possibilidade tão aceitável que chegou a me deixar louco.
    Lembro do estado dos meus pés, cheios de bolhas e sangramentos. Das olheiras, do cansaço, da perda de quilos. Tudo. Como se eu tivesse ficado doente com ela. Lembro de acordar gritando de um sonho. E perceber que não era apenas um sonho e gritar até não ter mais voz. Quase tinha morrido, tinha ficado num estado vegetativo, frágil e debilitado como ela.
    Eu tinha compartilhado de todas minhas experiências com ela, e ela comigo, por que esta deveria de ser diferente?

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